quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Espumas de mar


Sim, sim.
Aquelas mãos me empurram do balanço
que antes restava parado ao som do vento.
E do marrom subo ao céu perene
que no vai-e-vem desaparece dos olhos
mas nunca sai de dentro.

Aquelas palavras que pareciam frear
na verdade impulsionavam
estalavam dedos que salpicavam sangue
manchavam de doce o meu dia-a-dia

É do ímpeto daquela boca rubra
da intensidade que derrama do corpo
que vem a fonte nascida pelo meio
e agarrada por mim como
garoto que abraça correntezas,
dilui certezas

A vontade é de correr atrás
escutar a música sem parar mais
Abrir botões sob o sol
e sentir as mãos dadas
ao mesmo tempo abertas
para mundo que não pára,
só deságua, deságua, deságua

Sem ponto, só cortes, pequenas mortes.
ladeiras de renascimento
que trazem consigo plenitude
carregadas de vazios macios
E uma chuva repentina
ou beijo adormecido daqueles,
junto deles, sopro de vida no topo.
Insignificante e arrebatadora.

Cá estamos, com olheiras
na ilha do universo a ser descoberto
Como mãos de criança
em espuma de mar.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Asas cortadas do sertão




Estrada deserta e casas vazias denunciavam a chegada do sol ápice, vagarosamente cortando ao meio aquele céu aberto e entregue de Caucaia. O que se via de movimento humano eram pés fora das redes armadas em alpendres brancos e silenciosos. Moscas voavam tontas pelos corpos, enquanto algumas televisões chiavam dentro de quartos. Calangos procuravam sombra, nem que fosse em buracos de terra quente. Ninguém podia deter o assobio de calor que trazia duas horas de preguiça farta.

O cenário é acordado por um carro prata, feito bala de revólver repentino, que chega reduzindo a velocidade e fugindo da pista, levantando consigo os corpos das redes e lençóis de poeira marrom.  Descem do carro três rapazes que já ostentam no corpo a marca de fora. Ninguém ali ousaria usar calça jeans àquela hora. Eles traziam consigo, além do ar aprazível, ar-condicionado misturado ao gás carbônico e soberbo. 

- Boa tarde, senhor. - Boa, dotô.

Explicam meia hora de palavras bonitas e deixam escapar na ponta da língua uma estranha menina de nome hidrelétrica. Deu pra entender que ela só vai trazer coisa boa. Isso é certo. Nóis ganha Emprego e ainda a irmã mais querida, uma tal dignidade. Essa sim, o sinhô Deuzim ouviu repetirem umas três ou quatro vezes com sorriso no rosto. Amarelo e forte. Como se fosse presente nunca antes visto naquelas terras.

- Coca-cola ou suco de acerola?

As histórias saem fáceis como o suor da testa. Conta dois litros de vida em quinze minutos. Os rapazes sentam, gostam, gozam. De lado até o galo campina preso na gaiola começou a cantar. Seu Deuzim abriu asas e sentou. Voou dali e nunca mais voltou.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Maresia

Da varanda, sonhei que era criança. E sorria na praia sem os pequenos dentes da frente, despreocupado com outros olhos. O que me dava medo eram aquelas ondas que arrebentavam pertinho da areia e dos pés. Eu corria em zigue-zague tentando salvar das espumas o pequeno corpo seco. Mas sempre num certo momento jogava tudo que segurava em minhas mãos, fossem búzios, conchas ou plásticos, e adentrava de olhos fechados aquele caminho molhado. As mãos e o peito aberto para o salpicar daquela vontade. Apenas enganava o mar antes de abraçá-lo com gosto de entrega.

Bem longe daquele lugar uma pequena menina também se aventurava naquele grande pedaço azul. Morando à beira da praia, parecia que todos os dias ao dormir ela pegava ventos delicados de desejo. Eram aqueles mais azuis e fortes, que causavam calafrios. Aquilo tudo foi juntando-se nela como uma maresia ao corpo. Mas esta maresia que ela recebia pousava na pele e parecia emitir ressonâncias irreparáveis do lado de dentro. Ao mesmo tempo que ferrugem, seu peito pegou delicadeza. Acometeu-se de sensibilidade. Um toque no ombro era cuidado, qualquer mão nos cabelos era bem querer e todo abraço era entrega. Seus olhos pareciam abastecidos de todo aquele sal.

Sem saber que no mesmo atlântico lavavam seus rostos e mergulhavam seus sorrisos, em praias diferentes eles pegavam exatamente as mesmas ondas. E se abasteciam ao mesmo tempo em que deixavam a pele cada vez mais intensa e frágil para enfrentar o mundo.

Cresceram e mesmo vestidos nunca deixavam totalmente encobertas as marcas daquela pele frágil, sensibilidade latente. Então numa certa tarde, cruzaram corredores opostos. Ela com uma mochila pesada que nunca comportava todas as suas vontades e ele com os cabelos sempre assanhados, pois nunca fechava as janelas. Na noite seguinte, faziam parte da mesma multidão. Deslocavam-se e não se encontravam, apesar de atravessar os mesmos lugares e pararem para conversar e sorrir com as mesmas pessoas. Mas num breve momento, daqueles como suspiros, suas mãos deixaram-se tocar em meio a todas aquelas pessoas e ele inconscientemente levantou o dedo indicador, acariciando as costas das mãos daquela menina.

Aquele gesto bastou para perceberem a mesma maresia. Podiam remar em direções opostas, nadar contra a maré ou deixar-se levar por correntezas diferentes, mas essa maresia que carregavam no peito era a mesma e isso nunca mais iria separá-los, quaisquer que fossem os caminhos a seguir ou país em que escolhessem morar. Independente de território ou momentos iguais se encontrariam para sempre por ressonância, em acordes musicais. O lugar seria a pele e o tempo do peito reinaria. Forte feito maresia.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Varanda vaga-lume



Chovia da janela de velhos prédios no centro da cidade.
Chovia nos cabelos do homem que morava na rua.
Chovia no telhado das casas de praia.
Chovia nas notícias dos amigos.
Só não chovia em sua varanda.

Lá o céu restava nublado, com estrelas fortes.
A lua se escondia, mas deixava luz.
Pequenos pontos na esquina acendiam e apagavam,
como vaga-lumes que insistiam em piscar.
E nada de orvalhos nas plantas da varanda.

Esperou, esperou e respirou.
Fechou os olhos, fundo e devagar.
Quando os abriu, junto do corpo
Sentiu por dentro, gotas em silêncio.
Era seu peito em dilúvio, naquela varanda seca.

Deixou-se molhar até amanhecer.






sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Tanto Afeto

    Cometera um erro há muito tempo. Se pode ou não ser considerado erro, não se sabe. Apenas o acompanha desde os primeiros passos de caminhada em vias de mão dupla. Naquelas auto-estradas doces, sempre cometia excessos. Tudo que saía de seus poros pareciam abscessos rompidos que estouravam e se alastravam por ombros, peitos e pessoas. De ponta a ponta transbordava-os de desejos, de forças.
    E em muitos braços não cabia tanto afeto. Tanto olho atento, tantas veias abertas, tanto mar esparramado. Então afastar-se e sentar nas dunas altas era uma precaução, cuidado de mãos cerradas. Num mesmo movimento de pernas caminhando em retorno, o mar se retraía como numa fuga. Como um peito que se esconde tentando pegar todo o ar do mundo. As águas retornavam deixando espumas e distantes se fortaleciam cada vez mais, pra depois quebrar, estourar, assim como mar que arrebenta.
    Daquelas bocas que se abrem por razão dos poros estarem todos juntos e também abertos, dissemina olhos fechados de entrega. Afasta-te apenas um pouco pra poder perceber a imensidão que nos envolve. E não te esqueças disso. Que a luta está dentro de cada grão de areia que a água cobre, pouco a pouco. Mesmo distante não deixe de sentir a febre desse mar. Num vai-e-vem, se quiseres, ele nunca vai secar. Nunca quer cessar.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Nosso mar

O que ficou para trás
O que nos resta ainda mais?

Aquela poesia vermelha
no papel amarelado
Enterrada na gaveta da família
agora escondia também
Destinos. Vencidos. Além.
Mas outros nascem fortes,
ainda bem.

Eles se foram, ela me foi
a coisa mais bonita
desses últimos anos
vividos como dia-a-dia,
bem-te-vi  raiar.

Eles revisitam, respingam
Pisam de novo,
O novo chão.
Removem poeiras,
Afastam as teias
Entre veias e coração.

Trazem bombons de caramelo,
Pérolas de açúcar e saudade.
Lembranças de bolsos fundos,
Carinhos com estampa de avião.

A boca rica de café
e o cheiro de cloro da manhã
na piscina azul e branca
emergem tempos,
em sentimentos por segundo.

E agora em estradas recapeadas
De desejos na pele de flor,
De olhos bem abertos,
De braços mais abertos

Deitados e entregues
nesse imenso asfalto de febre.
Mãos nas costas dançam leves,
tirando o peso das horas.

A ansiedade pelo tempo,
Trouxe você.
E esqueceu pelo caminho
O medo que
queriam nos impor.

Cantamos então que
Amar e mudar as coisas
mesmo sentindo dor,
nos interessam mais.

Ondas de vida


Hoje acordei já com o sol bem no meio do céu, ainda descansando da madrugada entre músicas e papéis espalhados na cama. E em plena segunda-feira com ares de domingo, ruas sem carro e o som de passarinhos imperando sobre tudo lá fora, eu escuto o jornal falando do dia da padroeira da cidade; Nossa Senhora da Assunção nas Igrejas e Iemanjá nas areias da praia.

Pego o carro e sigo sozinho ao litoral, pois o mar me chamava. Chego à Praia já no fim de tarde, o sol começando a se esconder no lado oposto ao mar, deixando aquele aspecto de azul manso no céu. Começo a andar pela praia, à procura de alguém de branco, sinal dos filhos de santo. Ando, ando, molhando meus pés na água forte da maré alta e enfim avisto uma saia de renda enfeitando as pernas de uma velha senhora. Percebendo ela ir embora, com seu ramalhete de flores brancas molhadas, sigo o caminho inverso, à procura do fim da celebração.

Aos poucos vou encontrando à beira do mar pequenas oferendas: flores brancas, estátuas, garrafas de champagne. Bons sinais. A maré alta parecia diminuir, abrindo meus caminhos. Nesse instante imaginei você caminhando ao meu lado, nossas mãos dadas. Olhares carinhosos ao mar. Ele sempre me faz lembrar você. Mais a frente um aglomerado de pessoas e batuques começam a ecoar no vento e chegam ao peito. Sorriso no rosto.

A primeira imagem que tenho é de um homem todo de branco, ajoelhado de frente ao mar, com os olhos fechados e as mãos erguidas, a sussurrar palavras ao ouvido de Iemanjá. Me junto em meio à multidão e observo a cantoria, palmas e cumprimentos, ombro à ombro. Crianças, homens, mulheres, cachorros, velhos, pessoas montadas em bicicletas e cavalos assistem à celebração.

Depois de um tempo, com o sol já escondido e o céu escurecendo, me viro ao mar. Pé molhados, respiração funda e olhos cheios da mesma água salgada. O vento nesse momento parece bater mais forte e água se inquieta, me trazendo ao corpo arrepios e boas energias. Respiro novamente fundo e volto ao circulo de tambores intensos. Tiro algumas fotos do entorno, do mar naquele momento, mas não da festa, que me parecia intocável naquele momento.

Num determinado instante a roda se abre um pouco e eu avisto uma velha senhora negra, com uma pequena e delicada criança, de poucos meses, dormindo calma em seu ombro. Enquanto dançava a velha senhora parecia embalar os sonhos daquela pequena delicadeza, que tinha o rosto mais sereno de todo o mundo. Quando a música parou um instante, a senhora se virou devagar e começou a caminhar em direção ao mar. Dois rapazes levantaram respeitosamente a grossa corda de isolamento da roda de cantoria e ela se abaixou sem deixar mover qualquer centímetro a pequena em seus braços.
Chegou à beira do mar e parou. Nesse momento eu tive à minha frente a fotos mais linda que eu poderia tirar, com qualquer câmera que tivesse às mãos. Aquela pequena cabeça recostada no ombro da mãe negra, porto-seguro forte, e olhinhos fechados como se estivera deitada nas nuvens mais aconchegantes. Nuvens de renda. A mãe também com os olhos fechados, repletos de lágrimas e força, enquanto os lábios se movimentavam rapidamente, em orações e pedidos de proteção à pequena e sua longa caminhada, direcionados à Iemanjá, rainha de todos esses mares, bonitos e revoltos.
Porém nenhuma imagem poderia chegar perto de todas as sensações que envolviam aquele momento, de tudo o que ele significava.

A intensidade e a força não poderiam ser enquadradas, nem encaixotadas, nem fixadas em papel algum. Ao invés de empunhar a câmera, a pus de volta no bolso e passei a olhar. Apenas olhar e sentir. Ele viveria dissolvido em minha memória, como as espumas naquela maré. Como um fluxo, andaria em cada poro do meu corpo com a grandeza e intensidade daquele Mar sem fim. Que horizonte algum poderia pôr limite. Ele me encarava, encantador e assustador. Cheio de segredos ao seu redor, os quais eu só poderia descobrir mergulhando de olhos fechados como o daquela criança. Com a confiança dos braços daquela senhora. E com aquelas lágrimas de dor. E de amor. Que as ondas nunca deixariam de trazer.

domingo, 15 de maio de 2011

Sem precisar


Nosso melhor momento
é o abraço querendo beijo.
Sussurrou ao ouvido.
E sem beijar, sentiu.
Sobre os lábios
o céu pousar.

Mel de maio
Maiô sem laço
Maior detalhe de todos.

Intenso afeto escorre do braço
e deságua no mar imenso
que esse mundo traz.
E lava sem precisar limpar.